Paris, 2 horas da manhã. É madrugada na
Cidade Luz. Uma olhadela rápida no aplicativo do tempo e vejo a marca de 5
graus centígrados, céu predominantemente nublado, o que indica que haverá vento
frio e chuva leve nos próximos três dias, o suficiente para congelar mãos e
orelhas. Estou vestindo meu pijama de lã grosso e mangas compridas. O quarto de
hotel (que chamo de “meu”) continua a mesma bagunça de malas, com sua decoração
neoclássica francesa, lençóis brancos e roxos, frigobar azulado, sacada com
flores róseas e o aquecedor ligado. Deitada na cama, escrevo no computador,
bebo um Bordeaux de 4 euros e como Bretzels alemães.
Belém, 22 horas. É noite na Cidade das Mangueiras. Uma olhadela rápida no aplicativo do tempo e
vejo a marca de 26 graus centígrados, céu parcialmente nublado, o que indica que
haverá calor e chuvas efêmeras pelos próximos três dias, o suficiente para tomar
banho de 6 em 6 horas. Estou vestindo meu pijama de alcinhas. O quarto que chamo
de “meu” continua a mesma bagunça de sempre, com seu clima aconchegante de lar,
edredons de flores, pelúcias infantis retardatárias, fotos antigas e o ar
condicionado ligado. Deitada na cama, escrevo no computador, bebo um vinho meia-boca
de 25 reais e como amendoim japonês na tentativa de um revival.
Não dá certo. É rotina outra vez.
Novembro dos dias apressados, você passou rápido demais.
Como se fosse ontem, ainda lembro
da euforia causada pela notícia de que faria essa viagem dos sonhos dali há um mês.
Da arrumação das malas, amontoando roupas de frio, ao assento quádruplo no vôo
internacional da TAM, com direito a manta, almofada, kit de higienização bucal
e televisão em frente a cadeira (ah, gente, já sofri muito em vôos domésticos),
uma ‘eu’ ainda em transe assimilava a idéia. Não bastou colocar Amélie Polain
na telinha, nem ler os 3 guias que me foram indicados, durante as 11 horas de
vôo: foi preciso sentir o ventinho gelado no rosto e ver os elegantes
transeuntes empacotados para acreditar que estava mesmo em ambiente europeu.
A caminho do hotel, enquanto
papai já estava familiarizado com o simpático taxista franco-marroquino que
dirigia, exercendo seu francês de 26 anos atrás, eu ia muda, observando a
paisagem. Deduzi que, num primeiro momento, ficaria travada. Ou, no mínimo,
tentaria uma linguagem de sinais acompanhada do meu inglês enferrujado.
Utilizando o infrantuguês (inglês + francês + português), entendi que o estádio
que passava na janela, Saint-Denis, foi onde Zidane ganhou do Brasil; que Paris
inteira tem cerca de 20 milhões de habitantes* e que o salário mínimo francês é
de 1500 euros (!!). Reflexões sobre largar tudo e virar babá na França me
ocuparam por alguns segundos até perceber que estávamos à margem do Rio Sena e
que, ao longe, enfim, estava ela.
Ela, somente ela, cartão postal
dos românticos, destino certo dos viajantes, símbolo de história, ícone de
sonhos: La Tour Eiffel. Dentre os tantos clichês que esse momento proporciona,
o meu veio em forma de curiosidade e encantamento, a necessidade de tudo
registrar, de guardar a sensação real de estar em outro país, com outra cultura,
outra língua e outras idéias. Acredito que cada lugar que chegamos possui um
clima diferente. Paris, pra mim, tem gosto, cor e cheiro. Gosto de Camembert,
de croissant sem recheio, de café expresso, de vinho, de chocolate (não, eu não
gosto de macarrons). Tem a cor cinza das cidades friorentas e preta das botas
das moças, apesar dos dias azuis que presenciamos. E cheiro de Savon de
Marseille, o sabonete líquido da Pharmacie da esquina, da fumaça dos cigarros,
da fornada de pain au chocolat da boulangerie vizinha.
Viajando nos meus pensamentos neste primeiro dia, em flashes armazenados dos acontecimentos, após uma rápida explorada no que seria meu bairro pelos próximos 15 dias, sentada na mesinha redonda de um simpático bistrô na Boulevard de Grenelle, voltada para a rua como todos e grudada no desconhecido ao lado, brindei com meu velho uma boa taça de Pinot Noir. Era noite de lua crescente, aquela que vi estampada em fotos da minha Belém, e imaginava quantas pessoas olhavam para o mesmo céu. Eu ali, em outro continente, observando as infinitas possibilidades, os desafios de ser estrangeira, a liberdade do anonimato completo, a sensação inexplicável de renovação do ser. Pois, haviam horas que me traziam
grandes comoções, grandes dádivas, sublimes euforias, e que me transportavam a mim, extraviada, de
volta ao vivo coração do mundo.